sexta-feira, 24 de abril de 2009

APARIÇÃO

Era branda e cristalina aquela voz:
- Vem! Vem comigo!
No meu pequeno quarto não havia espaço para sombras.
Apenas a luz ténue do luar atravessava o vidro da janela.
- Levanta-te e vem comigo.
Sentei-me na cama, calcei-me como se fora um autómato
E estivesse ausente de mim qualquer sensação.
E assim, naquela noite de espanto, cautelosamente
Abri a porta seguindo aquela doce voz
Até à rua iluminada por uma graciosa lua de Agosto.
E aquela voz ergueu-se por entre as sombras.
Pertencia a uma criança que me sorriu com bondade.
Pus-me a seu lado e reparei que éramos semelhantes.
As suas mãos enlaçaram-se nas minhas e sem pousarmos
Os pés no chão, entrámos numa floresta mágica.
E então, quantos estranhos vi chegar!
- Quem são?
Nas sombras da noite, ninguém parecia descobrir-nos.
- Quem são? – Voltei a perguntar.
As suas idades diferiam e tão ágeis pareceram que perguntei de novo:
- São anjos?
- Não! As sombras humanas que se movimentam sem ruído,


És tu durante a tua vida.
E de ombros descaídos, barba branca e olhos negros,
Vi um velho a contemplar-me.
- Quem é? – Perguntei.
- És tu a olhares-te sem te veres.

Regressámos à porta de casa e voltei para o meu quarto
Onde não havia espaço para sombras.
Pela manhã, o pudor de revelar aquela saída
Serrou-me os lábios e a voz até aos dias de hoje.


in "Tocar o invisível"

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